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A Maçonaria no Brasil
A Maçonaria no Brasil

A Maçonaria no Brasil

 

João Evangelista Martins Terra, S,J.

 

Os inícios da maçonaria no Império Por­tuguês remontam aos tempos do poderoso Sebastião José de Carvalho, Conde de Oeiras e Marquês de Pombal. No Brasil possuímos apenas vagas notícias de maçons avulsos e esparsos em Olinda, Salvador, Rio de Janeiro, Campos e Niterói, em fins do século XVITI e nos inícios do século passa­do. Mas não havia organização federativa entre essas lojas: algumas se instalaram su­bordinadas ao Grande Oriente de Portugal; outras, ao Grande Oriente da França; e ou­tras, ainda, independentes.

No início do século passado, encontra­mos na Capitania pernambucana numero­sas sociedades secretas que recebiam o nome de Academias, como o Areópago, fundada pelo frade Arruda Câmara, a Aca­demia dos Suassunas, a Academia do Para­íso, a Universidade Secreta de Antônio Carlos, a Escola Secreta de Guimarães Pei­xoto, a Oficina de Igaraçu.

O Seminário de Olinda, fundado em 1800 por D. Joaquim José da Cunha de Azeredo Coutinho, regalista e maçom (pri­mo do reitor da Universidade regalista e li­beral de Coimbra), produziu todos os líde­res eclesiásticos das futuras revoluções po­líticas, mas em nada contribuiu para a evangelização do povo (J. F. Hauck, in His­tória da Igreja no Brasil, II/2, p. 89). “O Seminário de Olinda tomou-se um ninho de ideias liberais e subversivas. Seus pa­dres professores haviam bebido na Univer­sidade de Coimbra a formação liberal, galicana e regalista. O Seminário acolhia, indistintamente, não somente os jovens destinados à carreira eclesiástica, mas to­dos os que lhe pediam luzes e instrução” (K. Bihlmeyer, P. F. S. Camargo, História da Igreja, III; 1963, pp.  413-415). A turma fundadora do Seminário de Olinda consta­va aí de 133 alunos, sendo 33 seminaristas e 100 de fora.

A longa lista dos estudantes de fora compreende um grupo numeroso de carmelitas, entre os quais, o mais famoso, frei Joaquim do Amor Divino (frei Cane­ca), com vários outros que foram célebres na história da Igreja ou na civil, bem como nas ciências e nas letras” (Mons. S. Leite Nogueira, O Seminário de Olinda, 1985, pp. 208-209). Outro aluno carmelita, céle­bre companheiro de frei Caneca, foi frei José Maria do Sacramento Brayner, chama­do: “Padre dos Couros“, porque usava um gibão de couro como os guerrilheiros, e organizou um batalhão armado conhecido como os “Encouraçados do Pedrão“. “Não causa espanto, diz o Cônego José do Carmo Barata, que, nessa época, os alunos do Se­minário gozassem de todas as liberdades, nada compatíveis com sua formação ecle­siástica e científica, participando ativamen­te de todos os movimentos revolucionários… freqüentando as Academias (lojas ma­çônicas), das quais os seus mestres (sacer­dotes) eram os principais sustentadores.” “O Seminário de Olinda tomou-se o ninho onde se formaram os pioneiros da indepen­dência nacional” (Escola de Heroes, pp. 68-­69).

Os seminaristas de Olinda circulavam do Seminário para as lojas, onde, junto com seus mestres, encontravam ambiente pro­pício para debater suas ideologias liberais.

A independência brasileira, escreve Oliveira Lima, foi mais diretamente servi­da no seu preparo pelo Seminário fundado por Azeredo Coutinho. Padres assim polí­ticos não podiam ser sacerdotes de vida canonicamente exemplar. A revolução de 1817 pode se dizer que foi uma revolução de padres formados no Seminário de Olinda” (cf. Escola de Heroes, p. 70).

O historiador E. Vilhena de Moraes, no seu livro O Patriotismo e o Clero no Bra­sil, falando sobre o Seminário de Olinda e sua ligação com a maçonaria, comenta:

Com semelhante formação, não admira que rareassem as virtudes próprias do esta­do sacerdotal. Só por um verdadeiro mila­gre deixariam de entrar pelas frestas da doutrina e da ortodoxia desfalecimentos da disciplina e da moral” (p. 20).

Nas duas revoluções pernambucanas, a liderança principal encontrava-se nas mãos de padres e frades formados em Olinda. “Na de 1817, havia cerca de 60 padres e 10 fra­des; por isso, com razão continua sendo chamada de Revolução de padres. Na de 1824, naquela do grande, heróico, Frei Ca­neca, havia cerca de 40 padres” (Gilberto Vilar de Carvalho: A liderança do Clero nas revoluções republicanas – 1817-1824, p. 10).

Do Seminário de Olinda para as lojas maçônicas, para as academias ditas literá­rias e, daí, de boca em boca, para o interior, onde os vigários facilmente as aceitavam e transmitiam aos senhores de engenho e aos oficiais de tropas, as idéias revolucionárias iam-se alastrando por toda a província” (op. cit., p. 72).

A grande hora dos padres rebeldes foi em 1817. Dos 310 subversivos de Pernambuco, um quinto eram padres ou fra­des, todos ou quase todos recolhidos à pri­são. Alguns foram executados e dois prefe­riram o suicídio à humilhação do cárcere: o padre Antônio José Cavalcante Lins e o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. As causas da revolução pernambucana podem ser definidas como um protesto do Norte contra a supremacia do Centro-Sul ou do Sudeste. Esse mesmo protesto repetia-se em 1824, com a Confe­deração do Equador” (Francisco de Assis Barbosa, in O clero no Parlamento Brasi­leiro,I, p. 15).

No efêmero governo revolucionário de 1817, o padre João Ribeiro foi eleito go­vernador, mas declinou o convite. Como secretário, foi escolhido o padre Miguelinho (Miguel Joaquim de Almeida e Castro). Ambos tinham sido alunos e eram profes­sores do Seminário de Olinda. Fez parte do governo o Vigário Geral, deão Bernardo Luís Ferreira Portugal, que respondia pelo bispado durante a vacância da diocese (ib. p.17).

A revolução de 1824, conhecida como Confederação do Equador,teve como lí­der e ideólogo o célebre carmelita, forma­do no Seminário de Olinda, Frei Caneca. Contou com a colaboração de 40 padres e frades, entre os quais o carmelita Frei José Maria Brayner, que fundou, à sua custa, uma companhia que chegou a reunir 100 homens, apelidada de Companhia dos Cou­raças,porque os seus soldados se vestiam à maneira dos vaqueiros nordestinos, com uniformes de couro. Outro célebre guerri­lheiro foi o padre Bernardo, vigário de Saubara, que arregimentou um batalhão de 400 homens, equipando-os à sua custa, pro­vendo-os de artilharia que ele mesmo ensinou a manobrar (Vilhena de Mores, op. cit., p.23).

G. Vilar de Carvalho recorda que as ide­ologias revolucionárias do clero pernambucano eram fomentadas pelo iluminismo e liberalismo que animavam tanto o seminário de Olinda como as lojas maçônicas. Os programas escolares valo­rizavam mais a geometria e as ciências na­turais e econômicas do que a teologia. “No âmbito de uma mentalidade iluminista, não é de admirar que o padre João Ribeiro fos­se um naturalista e que Frei Caneca fosse um geômetra. Para esses padres ‘ilumina­dos’ do século XIX, não havia distinção entre lutar pela pátria ou pela salvação das almas; por sua salvação social e política ou por sua salvação eterna” (A Liderança do Clero nas Revoluções…, p. 65).

No Nordeste, nesse período, os frades eram também famosos como engenheiros, astrônomos, matemáticos, e com isso sabi­am se tomar úteis e necessários.” Todas essas ciências eram estudadas no próprio Seminário de Olinda e daí passavam para as famosas Academias. Nestas, clero e ma­çonaria uniam-se pelo ideal comum do estudo e catequização das idéias liberais. A pri­meira dessas Academias, de onde já em 1801 saía a primeira tentativa de Indepen­dência em Pernambuco, denominava-se Areópago e foi fundada pelo sábio paraibano Arruda Câmara, irmão carmelita, que influenciou decisivamente toda a gera­ção de clérigos de 1817 e de 1824. Do Areópago faziam parte homens eminentes, como os padres João Ribeiro, Antônio Félix Velho Cardoso, João Pereira Tinoco e An­tônio de Albuquerque Montenegro, todos de uma maneira ou de outra participantes ativos na revolução. Em seguida foi criada a Academia do Paraíso, chamada também Academia Suassuna, administrada pelo pa­dre João Ribeiro, que a camuflava aos olhos da polícia do rei sob o nome de escola de desenho. Foi esta a mais importante de to­das e teve em suas fileiras grande parte de clero da cidade, sem contar que diversos vigários do interior a ela eram igualmente filiados. Depois surgiram outras academi­as, sempre com um nome qualquer que es­condia sua verdadeira finalidade de lojas maçônicas. Em todas elas havia sempre pelo menos um sacerdote. O iluminismo chegou ao Nordeste pelas mãos dos padres Oratorianos, aos quais o bispo Azeredo Coutinho tinha confiado a fundação do seu Seminário (A Liderança do Clero nas Re­voluções … , pp. 66-67).

“Um autor anônimo da época deixou este testemunho sobre o Seminário de Nossa Senhora da Graça de Olinda, em 1817: que aí os eclesiásticos mostravam ter aprendi­do somente três pontos: 1) duvidar de tudo; 2) aborrecer livros; 3) ignorar os de Teolo­gia” (id., ib.).

Em 1817, a Sé de Olinda estava vacan­te e a jurisdição episcopal dependia do bis­po do Rio de Janeiro, cujo prelado, preocu­pado com aqueles métodos de ensino, já vivia a amaldiçoar o Seminário de Olinda e a praguejar a sua conservação” (id., ib.).

Vilhena de Moraes observa que “quase todos esses padres revolucionários estavam filiados à maçonaria. Uma explicação de semelhante hibridismo temo-Ia certamente nas doutrinas deletérias, professadas em Coimbra, e nas quais se abeberaram os in­telectuais do famoso Semiriário de Olinda, preparados assim para todo o gênero de defecções, até uma quase abolição, inconsciente talvez, do seu verdadeiro caráter sa­cerdotal“.

Seria fazer pouco da mentalidade des­ses homens, apontados, aliás, como orácu­los do tempo, reconhecer-lhes, de par com os sentimentos patrióticos, que não contes­to, agudeza de vista para tudo, menos para discernir os intuitos anticristãos e antissociais dos latíbulos maçônicos que freqüen­tavam” (op. cit., p. 24).

Aliás, convém notar que muitas dessas lojas foram fundadas por clérigos seduzi­dos, não pelas doutrinas maçônicas, mas simplesmente para terem um ambiente se­creto onde pudessem debater com seguran­ça suas ideologias iluministas, galicanas, liberais e revolucionárias. A doutrina tipi­camente maçônica veio depois, utilizando (enquanto pôde) esse clero liberal para seus propósitos.

Vilhena de Moraes continua declarando que se deve “subscrever, sem receio, a ob­servação de Oliveira Lima: padres assim políticos não podiam ser sacerdotes de vida canonicamente exemplar” (ib.). Com efei­to, basta recordar que o mais célebre dos frades revolucionários formados no Seminário de Olinda, Frei Caneca, ordenado com 22 anos, teve três filhas (coisa bastante nor­mal na época, diz J. F. Hauck, História da Igreja no Brasil,11/2, p. 131). Enquanto esteve na prisão, traduziu do inglês a His­tória da Franco-Maçonaria. Como profes­sor de matemática, fez o elogio: “Pela geo­metria conhecemos evidentemente a exis­tência do Supremo Arquiteto do Universo“. Escreveu uma célebre cartasobre a socie­dade maçônica em Pernambuco.

Um resumo das idéias políticas de Frei Caneca é feita pelo historiador redentorista J. F. Hauck, na História da Igreja no Bra­sil, II12. Vamos transcrever algumas obser­vações. “Não é difícil achar contradições em seus escritos.”

Frei Caneca é ferino em seu sarcasmo, seja contra seu grande inimigo, Pedro Pedroso, seja contra o Cabido que gover­nava a diocese na “vacância do bispo”. Seu pensamento liberal é ingênuo, quase sem­pre autodidata, sujeito a conclusões conflitantes. Na polêmica contra Pedroso, se mostra racista ridicularizando os pardos e pretos. Desprezava o povo que chamava de “populaça ignorante, imunda e vil canalha, peralvilhos“. Percebe-se aí a influên­cia de um de seus ídolos, Voltaire, o liberal que desprezava o povo, a “vil canalha” que devia ser mantida sob o jugo, como os bois de carro.

É conhecida, diz Frei Caneca, a mes­quinhez de luzes de nosso povo e o respei­to religioso, com que ele olha para os ecle­siásticos, mormente padres e cônegos.” Ao mesmo tempo diz que “o clero não tinha influência, pela falta de riquezas e de lu­zes“. Critica os frades estrangeiros “como os barbadinhos italianos (capuchinhos) e os terésios (um ramo dos carmelitas) de Olinda, que, obedientes a um General em Roma, nunca poderão ser verdadeiros bra­sileiros“. “Os terésios são sagazes e velha­cos; alguém meteu num alambique dois je­suítas para destilar um terésio.” Critica os eclesiásticos que rezam o breviário em la­tim.

Das numerosas sociedades secretas exis­tentes no Recife, afirma pouco saber sobre elas, mas critica veementemente a umas como as rosas-cruzes e se mostra tolerante para com outras. Da maçonaria diz ter im­pressão favorável, “estabelecida havia muitos anos na província, apesar das calúnias do clero“. Contudo, afirma que os maçons nenhuma influência tiveram na independên­cia do Brasil.

Aproveita o ensejo para criticar os ecle­siásticos, “o fanatismo dos ministros do culto, o interesse que tinham na ignorância do povo e o temor que eles têm de que des­tas sociedades (maçônicas) saiam as luzes para o povo, e com o conhecimento de sua impostura, percam o domínio das almas fra­cas e as oferendas no altar” (História da Igreja no Brasil, 11/2, pp.135-139).

Fazendo um balanço da atuação do cle­ro nas revoluções pernambucanas, o histo­riador E. Vilhena de Moraes profere um veredicto bastante severo: “Triste condição a desses heróis revolucionários, que não po­dem merecer encômios pelo seu feito, se­não à custa da declaração indecorosa de uma queda dos deveres do próprio estado sacerdotal”.

Frades secularizados como Abreu Lima e Miguelinho, simples diáconos como Alencar e o próprio padre Roma, que nem sequer se sabe ao certo se chegou realmen­te ao presbiterato, ou padres de verdade, certo é que a participação desses eclesiás­ticos, como tais, na revolução, não somen­te não apresenta nenhum aspecto grandio­so em que se mostrem eles a altura da mis­são que receberam, mas se cobre, não raro, de uma nódoa de irreverência e de ridícu­lo.”

Sendo certo que as revoluções costu­mam devorar os próprios instrumentos, é de crer-se que a maçonaria, a cujo aceno, vindo do estrangeiro, foi planejada e exe­cutada a revolução, não tardaria a alijar padres e frades, como inútil sobrecarga. Desses mesmos, aliás, não se poderia es­perar revelassem, quando triunfantes, mais nítido conceito da verdadeira religião do que o tinham mostrado na hora em que não duvidaram perpetrar o que estigmatiza e condena como um dos mais graves delitos: a insurreição à mão armada contra o poder legítimo, o derramamento de sangue pelas mãos ungidas daqueles que, na expressão de Pascal, somente o seu próprio sangue podem derramar.”

“A Igreja, disse-o bem Massillon, não necessita de grandes nomes, mas de gran­des virtudes.”

“Favorecido pelo regalismo opressor do padroado, ia-se o vírus maçônico alastran­do cada vez mais e comovendo o clero, como invisível chaga cancerosa, até um acontecimento imprevisto veio pôr a des­coberto toda a extensão da ferida, na cha­mada ‘Questão Religiosa’.”

É agora o mesmo espírito de indisciplina (do clero), caminhando, porém, em marcha natural contra a própria autori­dade da Igreja; é a leviandade, ao princí­pio, e logo após a desobediência formal de padre maçonizado a atear imprudentemen­te o rastilho de um incêndio que, por pou­co, não leva o País aos azares de uma guer­ra de religião ou à catástrofe de um cisma.”

“Mas é também o início de uma reação rigorosa e cura completa. Pulso juvenilmen­te forte, um prelado de 27 anos, extirpa, sem receio, as profundas e extensas raízes da­quele mal, revigora o organismo combatido, saneia o ambiente e, à custa do próprio martírio, restitui ao clero a saúde, e a vida, e a consciência de sua missão espiritual.”

“Coube assim a D. Vital de Oliveira res­taurar em Pernambuco, e, graças ao seu glo­rioso companheiro de lutas, D. Antônio de Macedo Costa, no país todo, os males de­correntes da heresia jansênico-galicana, que implantara Pombal e atuara entre nós, de modo inconfundível, durante tantos anos, em outras graves crises.” (E. Vilhena de Moraes, O Patriotismo e o Clero no Bra­sil,pp. 24-28.)

A questão religiosa. Seria o lugar propício para tratar aqui da “questão religiosa” suscitada precisamente na diocese de Olinda pela maçonização do clero e, sobre­tudo das confrarias religiosas dominadas acintosamente pela maçonaria.

Mas para maior clareza será convenien­te estudar primeiro a questão da história maçônica no Brasil.